terça-feira, 31 de março de 2015

A ORIGEM DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

  

          Raízes históricas da teologia da prosperidade



O evangelicalismo brasileiro apresenta características apreciáveis e preocupantes. Entre estas últimas está o gosto por novidades. Líderes e fiéis sentem que, para manter o interesse pelas coisas de Deus, é preciso que de tempos em tempos surja um ensino novo, uma nova ênfase ou experiência. Geralmente tais inovações têm sua origem nos Estados Unidos. Assim como outros países, o Brasil é um importador e consumidor de bens materiais e culturais norte-americanos. Isso ocorre também na área religiosa. Um movimento de origem americana que tem tido enorme receptividade no meio evangélico brasileiro desde os anos 80 é a chamada teologia da prosperidade. Também é conhecida como “confissão positiva”, “palavra da fé”, “movimento da fé” e “evangelho da saúde e da prosperidade”. A história das origens desse ensino revela aspectos questionáveis que devem servir de alerta para os que estão fascinados com ele. 

Ao contrário do que muitos imaginam, as idéias básicas da confissão positiva não surgiram no pentecostalismo, e sim em algumas seitas sincréticas da Nova Inglaterra, no início do século 20. Todavia, por causa de algumas afinidades com a cosmovisão pentecostal, como a crença em profecias, revelações e visões, foi em círculos pentecostais e carismáticos que a confissão positiva teve maior acolhida, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A história de seus dois grandes paladinos irá elucidar as raízes dessa teologia popular e mostrar por que ela é danosa para a integridade do evangelho. 

Essek W. Kenyon, o pioneiro 
Embora os adeptos da teologia da prosperidade considerem Kenneth Hagin o pai desse movimento, pesquisas cuidadosas feitas por vários estudiosos, como D. R. McConnell, demonstraram conclusivamente que o verdadeiro originador da confissão positiva foi Essek William Kenyon (1867-1948). Esse evangelista de origem metodista nasceu no condado de Saratoga, Estado de Nova York, e se converteu na adolescência. Em 1892 mudou-se para Boston, onde estudou no Emerson College, conhecido por ser um centro do chamado movimento “transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação duvidosa. Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época foi a de Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. 

Kenyon iniciou o Instituto Bíblico Betel, que dirigiu até 1923. Transferiu-se então para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle e foi um pioneiro do evangelismo pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de seus programas serviram de base para muitos de seus escritos. Cunhou muitas expressões populares do movimento da fé, como “O que eu confesso, eu possuo”. Antes de morrer, em 1948, encarregou a filha Ruth de dar continuidade ao seu ministério e publicar seus escritos. 

Quais eram as crenças dos tais grupos metafísicos? Eles ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades. Kenyon acreditava que essas idéias não somente eram compatíveis com o cristianismo, mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã tradicional. Mediante o uso correto da mente, o crente poderia reivindicar os plenos benefícios da salvação. 

Kenneth Hagin, o divulgador 
O grande divulgador dos ensinos de Kenyon, a ponto de ser considerado o pai do movimento da fé, foi Kenneth Erwin Hagin (1917-2003). Ele nasceu em McKinney, Texas, com um sério problema cardíaco. Teve uma infância difícil, principalmente depois dos 6 anos, quando o pai abandonou a família. Pouco antes de completar 16 anos sua saúde piorou e ele ficou confinado a uma cama. Teve então algumas experiências marcantes. Após três visitas ao inferno e ao céu, converteu-se a Cristo. Refletindo sobre Marcos 11.23-24, chegou à conclusão de que era necessário crer, declarar verbalmente a fé e agir como se já tivesse recebido a bênção (“creia no seu coração, decrete com a boca e será seu”). Pouco depois, obteve a cura de sua enfermidade. 

Em 1934 Hagin começou seu ministério como pregador batista e três anos depois se associou aos pentecostais. Recebeu o batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembléias de Deus e pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949 começou a envolver-se com pregadores independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério. Finalmente, em 1966 fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista “Word of Faith” (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. Outros recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos. 

Hagin dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu fascínio pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus ensinos lhe foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus mediante revelações especiais. Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se inspirou grandemente em Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra, livros inteiros desse antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral Roberts, D. R. McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido de Deus não passava de plágio dos escritos de Kenyon. A explicação bastante suspeita dada por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois. 

Reflexos no Brasil 
Os ensinos de Hagin influenciaram um grande número de pregadores norte-americanos, a começar de Kenneth Copeland, seu herdeiro presuntivo. Outros seguidores seus foram Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert Tilton, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle e Paul (David) Yonggi Cho, entre outros. Em 1979, Doyle Harrison, genro de Hagin, fundou a Convenção Internacional de Igrejas e Ministros da Fé, uma virtual denominação. Nos anos 80, os ensinos da confissão positiva e do evangelho da prosperidade chegaram ao Brasil. Um dos primeiros a difundi-lo foi Rex Humbard. Marilyn Hickey, John Avanzini e Benny Hinn participaram de conferências promovidas pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep). Outros visitantes foram Robert Tilton e Dave Robertson. 

Entre as primeiras manifestações do movimento estavam a Igreja do Verbo da Vida e o Seminário Verbo da Vida (Guarulhos), a Comunidade Rema (Morro Grande) e a Igreja Verbo Vivo (Belo Horizonte). Alguns líderes que abraçaram essa teologia foram Jorge Tadeu, das Igrejas Maná (Portugal); Cássio Colombo (“tio Cássio”), do Ministério Cristo Salva, em São Paulo; o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva Ferreira, da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro, e R. R. Soares, responsável pela publicação da maior parte dos livros de Hagin no Brasil. Talvez a figura mais destacada dos primeiros tempos tenha sido a pastora Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, que conheceu os ensinos da confissão positiva na África do Sul. As igrejas brasileiras sofreram o impacto de uma avalanche de livros, fitas e apostilas sobre confissão positiva. Ricardo Gondim observou em 1993: “Com livros extremamente simples, [Hagin] conseguiu influenciar os rumos da igreja no Brasil mais do que qualquer outro líder religioso nos últimos tempos”. 

Conclusão 
Além de apresentar ensinos questionáveis sobre a fé, a oração e as prioridades da vida cristã, e de relativizar a importância das Escrituras por meio de novas revelações, a teologia da prosperidade, através dos escritos de seus expoentes, apresenta outras ênfases preocupantes no seu entendimento de Deus, de Jesus Cristo, do ser humano e da salvação. A partir dos anos 80, várias denominações pentecostais norte-americanas se posicionaram oficialmente contra os excessos desse movimento (Assembléias de Deus, Evangelho Quadrangular e Igreja de Deus). Autores como Charles Farah, Gordon Fee, D. R. McConnell e Hank Hanegraaff, todos simpatizantes do movimento carismático, escreveram obras contestando a confissão positiva e suas implicações. Eles destacaram como, embora essa teologia pareça uma maneira empolgante de encarar a Bíblia, ela se distancia em pontos cruciais da fé cristã histórica. 

No Brasil, três obras significativas publicadas em 1993 -- “O Evangelho da Prosperidade”, de Alan B. Pieratt; “O Evangelho da Nova Era”, de Ricardo Gondim; e “Supercrentes”, de Paulo Romeiro -- alertaram solenemente as igrejas evangélicas para esses perigos. Tristemente, vários grupos, principalmente os que têm maior visibilidade na mídia, estão cada vez mais comprometidos com essa teologia desconhecida da maior parte da história da igreja. Ao defenderem e legitimarem os valores da sociedade secular (riqueza, poder e sucesso), e ao oferecerem às pessoas o que elas ambicionam, e não o que realmente necessitam aos olhos de Deus, tais igrejas crescem de maneira impressionante, mas perdem grande oportunidade de produzir um impacto salutar e transformador na sociedade brasileira. 

FONTE REV.ULTIMATO




O MISTERIO DA INIQUIDDE N.2



O anticristo aparecerá com o desaparecimento daquele que agora o detém
A verdade é que o mistério da iniqüidade já está em ação, restando apenas que seja afastado aquele que agora o detém (2Ts 2.7)

Alguém ou algo está tapando o pequeno buraco do dique para que a água do lado de lá não o derrube e passe para o lado de cá, inundando e destruindo tudo. O mistério da iniqüidade já está em ação, a megaapostasia já está a caminho e o “homem do pecado” poderá se manigestar a qulaquer hora. O desastre final, de grandes proporções, que antecede a vinda de Jesus em poder e muita glória, ainda não aconteceu porque alguém ou algo está detendo ou barrando a chegada do anticristo. Os tessalonicenses sabiam se era algo ou alguém e sabiam o seu nome: “E agora vocês sabem o que o está detendo, para que ele [o homem do pecado] seja revelado no seu devido tempo” (2Ts 2.6). Os leitores imediatos (de ontem) sabiam, mas os leitores distantes (de hoje) não sabemos.

Agora é a vez do impedidor, e não do homem do pecado. Mas a hora e o dia do impedidor ser afastado e deixar livre o caminho está chegando. “Então será revelado o perverso, a quem o Senhor Jesus matará”, garante o apóstolo Paulo (2Ts 2.8).

O homem do pecado está sendo retido por uma ação ou por uma pessoa. Há “alguma coisa” (NTLH) ou certo “poder limitativo” (na versão de Phillips) que não deixa que ele se manifeste agora. Não se sabe se o impedidor é um poder abstrato e impessoal (como sugere o “o que” de 2Ts 2.6) ou um poder pessoal (como sugere o “a quem” de 2Ts 2.8). Pode ser que sejam ambos ao mesmo tempo. O texto leva a um interessante trocadilho: o homem do pecado aparecerá com o desaparecimento do impedidor.

A curiosidade é enorme. Todos gostaríamos de saber de quem ou de que Paulo está falando. EmConcernente à Cidade de Deus, Agostinho (354-430), o maior teólogo da antiguidade, confessa francamente que mesmo com os melhores esforços não era capaz de descobrir o que o apóstolo queria dizer.

A sugestão de que o impedidor seria o Espírito Santo é simpática, mas não tem o apoio dos melhores intérpretes. Entre as muitas teorias, a que parece ter mais peso assegura que o famoso barrador do homem do pecado é “o poder do governo humano bem ordenado”, “o princípio da legalidade oposto ao da ilegalidade” (C. J. Ellicott).

Segundo este ponto de vista, diz William Hendriksen, “Paulo tinha em mente que, enquanto a lei e a ordem prevalecerem, o homem da iniqüidade está impossibilitado de aparecer no cenário da história com seu programa de injustiça, blasfêmia e perseguição sem precedentes” (Comentário de 1 e 2 Tessalonicenses. p. 268). O mesmo autor diz que essa interpretação é mais freqüente entre os pais da igreja. Um dos mais antigos deles, Tertuliano, nascido em Cartago por volta doano 155, declarou: “Que obstáculo há senão o Estado romano?”.

De fato, para impor e fazer prevalecer sua ditadura religiosa atéia e anticristã, o homem do pecado tem de encontrar um mundo desprovido de autoridade, lei e ordem. Além do mais, essa interpretação ajuda a entender por que Paulo se refere ao mesmo tempo a um poder abstrato e a um poder pessoal: este seria o chefe do governo e aquele seria o governo em si.

A vinda do homem do pecado e a vinda do Filho do homem

Em 2Tessalonicenses, Paulo fala abertamente sobre duas vindas. Mas não se trata das duas vindas de Cristo à terra, a primeira em fraqueza e muita humilhação, e a segunda em poder e muita glória. As duas vindas anunciadas pelo apóstolo nessa passagem são a vinda do homem do pecado e a vinda do Filho do homem, nessa ordem (2Ts 2.1-12). Prega-se muito mais a vinda gloriosa de Jesus e muito menos a vinda horrorosa do homem do pecado. Ainda assim, fala-se e escreve-se pouco sobre ambos os acontecimentos escatológicos. Eles estão interligados. Um precede o outro. Ambos são anunciados na mesma passagem, mas não são datados. Os dois eventos são absolutamente certos. Todavia, como ninguém sabe o dia nem a hora da volta de Jesus, nem os anjos do céu, nem o próprio Filho, “senão somente o Pai” (Mt 24.36), o mesmo acontece com o dia e a hora da revelação do homem do pecado. Ambos merecem a maior atenção possível. 

A vinda do homem do pecado 
Quem é o homem do pecado? O que ele pretende fazer, a sua missão, é muito mais importante do que o seu nome. Ele é o oposto de Jesus. Enquanto o Senhor, “embora Deus, não exigiu nem tampouco se apegou a seus direitos como Deus, mas pôs de lado seu imenso poder e sua glória, ocultando-se sob a forma de escravo e tornando-se como os homens” (Fp 2.6-7, BV), o homem do pecado, embora criatura, proclama-se Deus. Jesus desce dos céus e ele pretende subir aos céus. Jesus se humilha e ele se exalta. Jesus restaura a comunhão do ser humano com Deus, perdida originalmente na queda, e ele “se ergue contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de culto, até sentar-se no templo de Deus, proclamando-se Deus” (2Ts 2.4, BP). Nesse sentido, o biólogo ultradarwinista Richard Dawkins, na tentativa de arrasar com todas as religiões do mundo através de seus livros — principalmente Deus, Um Delírio, recentemente lançado no Brasil — chega bem perto do homem do pecado.

Paulo usa outras duas expressões para se referir ao homem do pecado em 2 Tessalonicenses 2. Ele é o “filho da perdição” (v. 3) e “o perverso” (v. 8 e 9). A primeira expressão lembra a oração sacerdotal de Jesus no Cenáculo, quando o Senhor se refere a Judas: “Nenhum deles [dos discípulos] se perdeu, exceto o filho da perdição” (Jo 17.12). Como o apóstolo traidor, o homem do pecado é “o destinado à perdição” (BP) ou o “filho do inferno” (BV) ou “aquele cuja perda é certa” (EP). A segunda expressão pode ser traduzida como “o iníquo”, “o ímpio”, “o homem da rebelião”, “o homem da anomalia” ou “o pecado em figura de humana” (BP).

O nome mais popular e mais óbvio para o homem do pecado, Paulo não usa em nenhuma de suas cartas. É João quem o chama quatro vezes de “anticristo” (1Jo 2.18, 22; 4.3; 2 Jo 7).

Até o presente momento, o homem do pecado ainda não foi revelado, ainda não tirou a máscara, ainda não subiu ao palco nem ao altar. Talvez já esteja por aí, nos bastidores da mentira, nos camarins da vida, nas sacristias dos templos dos demônios ou nos subterrâneos do mal. Ele ainda não entrou em cena de modo visível, audível e palpável. Alguma coisa ou alguma pessoa o detém, de acordo com Paulo (2Ts 2.7). (.)

Mas no devido tempo o líder da apostasia, a incorporação da iniqüidade, a cristalização da ímpia oposição a Cristo, o anticristo, o adversário escatológico (isto é, dos tempos do fim) há de vir. Então, ele “se apresentará por força de Satanás, com todo o tipo de milagres, sinais e falsos prodígios” (2Ts 2.9, BP).

William Hendriksen afirma que o homem do pecado é uma pessoa e “não um poder abstrato ou um conceito coletivo”. Também não é Nero, aquele jovem de 17 anos que governou com despotismo o Império Romano (do ano 54 ao 68) e ordenou a primeira grande perseguição aos cristãos (64), trazido de volta à história. Nem o papa — tese defendida pelo reformador inglês João Wycliffe (1330-1384), por causa dos escândalos da Cúria Romana de então. Nem muito menos o diabo, já que é ele quem envia e empresta poder ao pavoroso personagem que chega “até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (Comentário de 1 e 2 Tessalonicenses. p. 251-265). 

A vinda do Filho do homem 
Várias vezes nos quatro Evangelhos e uma vez em Atos dos Apóstolos (7.56), Jesus é chamado “Filho do homem”. Enquanto a expressão “Filho de Deus” indica a natureza divina de Jesus, a expressão “Filho do homem” indica a sua natureza humana. Quando se refere à volta de Jesus, os Evangelhos preferem chamá-lo de “Filho do homem” (Mt 16.27; Mc 13.26; Lc 12.40).

Algum tempo depois da vinda horrorosa do homem do pecado, se dará a vinda gloriosa do Filho do homem. A Escritura não revela a extensão do tempo entre uma vinda e outra.

A vinda de Jesus ou, melhor, a sua segunda vinda (Hb 9.28) ao mesmo cenário da primeira vinda, é tão importante quanto o seu nascimento virginal, o seu sacrifício vicário, a sua ressurreição dentre os mortos, a sua ascensão aos céus e o seu solene assentar à direita do Pai para estender o seu reinado até o estabelecimento definitivo de sua soberania, derrubando todos os seus inimigos, isto é, toda estrutura que contenha o mal e agrida ou enfraqueça a beleza e a glória da criação em seu todo, inclusive a morte, a mais cruel e imbatível de todas as desgraças que acompanham de perto a queda do homem (1Co 15.20-28). Trata-se de uma história que tem início, meio e fim, um enredo que começa em Gênesis (no jardim do Éden), passa pelo Evangelho de Mateus (no jardim do Getsêmani) e termina no Apocalipse (no jardim da Cidade Santa). O bloco é um só e definitivamente inquebrável.

A vinda do Filho do homem é uma das maiores esperanças para todos os que são alcançados pela graça irresistível. Principalmente porque dela dependem outras esperanças de igual importância, como a ressurreição do corpo, o banimento do pecado, a morte da morte, a redenção da própria criação e o advento de novos céus e nova terra. Todo o conjunto pode ser descrito como a plenitude da salvação.

Jesus mesmo se refere à sua segunda vinda. Às vezes com uma notável simplicidade, como ao se dirigir a Pedro: “Se eu quiser que ele [João] permaneça vivo até que eu volte, o que lhe importa?” (Jo 21.22).

Outras vezes, chama a atenção para a solenidade do evento: “Então [imediatamente após a tribulação] aparecerá no céu o sinal do Filho do homem e todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória” (Mt 24.30). No momento exato em que uma nuvem encobria da vista dos discípulos o corpo ressurrecto de Jesus, que estava sendo elevado às alturas, dois anjos surgiram diante deles e explicaram:“Galileus, por que vocês estão olhando para o céu? Este mesmo Jesus, que dentre vocês foi elevado aos céus, voltará da mesma forma como o viram subir” (At 1.11).

A vinda do Filho do homem será tão repentina e visível como o relâmpago, que “sai do Oriente e se mostra no Ocidente” (Mt 24.27). Ocorrerá de surpresa, sem que se saiba o dia e a hora, mesmo que haja sinais que antecedem o momento da sua vinda. Os sinais, na verdade, são processos contínuos que podem ser vistos desde os tempos dos apóstolos. Servem para deixar a igreja em permanente estado de alerta (Lc 21.25-36). Por ela ser absolutamente certa e imprevisível quanto à data, Paulo conclama “que todo o espírito, a alma e o corpo de vocês sejam preservados irrepreensíveis na vinda do nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5.23)!
O mistério da iniqüidade e os escritores “nefandos” dos séculos 18 e 19
Não é fácil desmascarar o mistério da iniqüidade, por ele ser como um segredo de Estado. Existe a persistente tentação de achar que o mal de hoje é mais escandaloso e globalizado do que o mal de ontem. E, por mais contraditório que possa parecer, por vezes enxergamos mal demais ou não enxergamos o mal todo. Qualquer falta de equilíbrio nessa questão será creditada ao “mistério da iniqüidade” (2Ts 2.7), em prejuízo do “mistério do evangelho” (Ef 6.19). Os maiores tropeços na construção do reino de Deus na terra são causados pelo fanatismo religioso, que enche as páginas da história da religião e gera muitos descrentes. Parte do sucesso do livro Deus, Um Delírio, de Richard Dawkins, o mais notável profeta do ateísmo na atualidade, deve ser atribuída ao grande mal-estar provocado pelos crimes de ontem e de hoje cometidos por culpa do fanatismo religioso, a maior fábrica de ateus do mundo. É o que afirmou The Times: “EmDeus, Um Delírio, a liberdade intelectual da crença religiosa é desnudada sem piedade, assim como os crimes cometidos em nome dela”.

Ao comentar o manual Literaturas Estrangeiras (FTD, 1931), o filósofo brasileiro Leandro Konder conta como a Igreja Católica entendeu certos escritores dos séculos 18 e 19.

Em Literaturas Estrangeiras o escritor francês Voltaire (1694-1778) é chamado de o “corifeu da impiedade no século 18”. E, por ter cometido “erros satânicos”, deve ser considerado pessoa “de memória execranda”, abominável. O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) é acusado de ensinar “a identidade dos contrários e negar os princípios mais elementares da razão”. O poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) está “cheio de miasmas, pestilências, de sujidades físicas e morais”, e, além de ser nojento e desequilibrado, “dirige preces a Satanás”. O escritor francês Émile Zola (1840-1902) é “o mestre da pornografia”. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) deve ser o Anticristo, pois “blasfema grosseiramente contra Cristo e sua igreja e acabou doido”. O escritor francês Anatole France (1844-1924) é um “corruptor diabólico, ímpio e imoral até o cinismo”. E o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) é um “abridor de sarjetas da alma”. (Jornal do Brasil, “Idéias & Livros”, 25/08/07, p. 7).

Curiosamente, dos sete nomes citados, quatro são franceses nascidos em Paris. Konder cita outros nomes e explica que o manual Literaturas Estrangeiras, de autoria coletiva e anônima, era adotado pelas escolas católicas do Rio de Janeiro.

Mesmo polêmico e demasiadamente contundente, o curioso livro mostra um lado da questão e explica como a literatura pode misturar a verdade com o erro e provocar ao mesmo tempo coisas positivas e negativas. Sem dúvida, a Europa pós-cristã e secular de hoje tem muito a ver com os autores citados pelo livro de quase oitenta anos e com outros, principalmente o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) e o filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883).

A pessoa comprometida com o “mistério do evangelho” não deve ser proibida de ler livros nem de ligar a televisão. Ao contrário, deve agir como o sábio: “Ele escutou [ou leu], examinou [ou pesquisou] e colecionou [ou selecionou] muitos provérbios” (Ec 12.9). É exatamente isso que Paulo aconselha aos tessalonicenses: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom” (1Ts 5.21, NTLH).

 

O Mistério da Iniqüidade em Alta

O que se ouve, o que se lê e o que se comenta hoje dão a forte impressão de que o mistério da iniqüidade está em alta. O check-up do panorama em curso é de fato preocupante. Não há otimismo nem esperança frente à tensão provocada, em todas as frentes, pelo estranho e incontido comportamento humano. E não são os religiosos que estão declarando esta espécie de calamidade pública. Não estamos satisfeitos nem seguros nem tranqüilos. A palavra irreversível está no ar, está nos discursos, está nas notícias. 

A corrupção parece irreversível 
O médico Dioclécio Campos Júnior, professor da Universidade de Brasília e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, faz uma análise em linguagem médica muito contundente: “A sociedade brasileira está gravemente enferma. Seus órgãos padecem de corrupção que a corrói com o poder devastador da gangrena. Suas funções estruturantes perverteram-se no caos das disputas de privilégios. A injustiça campeia como micróbio resistente que lhes contamina as entranhas. As discriminações sociais, raciais e econômicas aparecem em seu corpo deformado como chagas profundas, em incessante progressão. O país recusa-se a olhar no espelho. Rejeita o diagnóstico que emerge dos sintomas de sua própria realidade”.

A chaga da corrupção em todas as esferas do governo e da sociedade pode ser mais freqüente e menos punida aqui, mas não é problema exclusivamente brasileiro. Nações subdesenvolvidas da África, nações emergentes da América Latina e da Ásia e nações prósperas e poderosas da Ásia, da Europa e América do Norte têm sérios problemas de corrupção. O Projeto Milênio, da Federação Mundial das Associações das Nações Unidas, revela que os subornos são mais freqüentes nos países ricos. Calcula-se em um trilhão de dólares o dinheiro anualmente empregado na corrupção no mundo (Jornal do Brasil, 13/09/07, A2).

Foi-se o tempo em que se dizia, talvez com justiça, que o problema da corrupção era menor em países de tradição protestante e maior em países de tradição católica. É verdade que os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Suécia, Noruega e Islândia), todos de tradição luterana, são um exemplo no que diz respeito à justiça social e à transparência política.

Há menos de três meses duas pessoas do mais alto escalão do Japão, um dos países mais ricos do mundo, envolveram-se em escândalos tais que um deles (o Ministro da Agricultura) se suicidou e outro (o Primeiro Ministro) renunciou.

Apesar da distância de 93 anos entre eles, vale a pena colocar lado a lado dois pronunciamentos sobre a corrupção brasileira: o célebre discurso de Ruy Barbosa em 1914 e a palavra de Luiz Fernando Corrêa, novo diretor da Polícia Federal, em setembro de 2007. O primeiro reclamou: “De tanto ver triunfar nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, e ter vergonha de ser honesto”. O segundo foi muito sucinto: “Se somarmos todos os furtos e roubos em um ano numa região, o prejuízo será menor que o causado pela corrupção” (Veja, 26/09/2007, p. 11). 

A licenciosidade parece irreversível 
Antes havia prostituição e algum adultério aqui e ali. Os poucos homossexuais estavam escondidos dentro do armário. O casamento era mantido a qualquer preço, mesmo apenas na aparência. Os mais ousados compravam e escondiam da família revistas pornográficas e viam filmes pornográficos.

Hoje, meninos e meninas praticam o amor livre, se necessário, até mesmo na casa paterna, sob permissão (ou conselho?) do pai e da mãe. Homens casados ou solteiros procuram os muitos motéis nos arredores das cidades onde moram para se encontrarem com mulheres casadas ou solteiras. Separa-se e divorcia-se quantas vezes a relação anterior perder o sabor. Aborta-se a criança que está sendo gerada a contragosto, para esconder a relação extraconjugal ou para deixar o casal livre para viver a vida que desejam levar. (No Brasil 1,2 milhão de adolescentes abortam por ano.) Multidões de gays saem do armário e se encontram com os novos gays que não chegaram a entrar em armários, organizam marchas, compram agências de viagens, fazem turismo, gastam dinheiro a rodo e exigem respeito de todos em nome dos direitos humanos. Mais do que apenas fotos, qualquer pessoa, não importa a idade nem o gênero, pode ver crianças nuas ou cenas de sexos explícito na tela do computador e da televisão. Marido e mulher passam uma noite ou fim de semana a bordo de um navio para experimentar novas emoções sexuais com o marido da outra e com a mulher do outro. Para satisfazer todos os gostos, implementa-se cada vez mais o turismo sexual, do qual as maiores vítimas são menores de idade. (Estima-se que cerca de cem mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil hoje.)

Homossexuais e travestis se juntam às prostitutas para atrair clientes que passam de carro em certos pontos de quase toda cidade ao cair da noite. Pedófilos são presos, cumprem pena, saem da cadeia e voltam a cometer o mesmo crime. Escândalos sexuais cometidos por líderes religiosos desta e daquela denominação cristã, católica ou protestante, abalam a autoridade da igreja de Jesus Cristo. Jornalista de 39 anos que se diz recém-convertida ao protestantismo, depois de se envolver com político de renome, deixa-se fotografar nua em troca de algumas centenas de mil reais. Outro dia, o escritor Fausto Wolff queixou-se de que queria ir ao teatro e verificou que “das 20 peças em cartaz nove tratavam de homossexualismo, com homem vestido de mulher e tudo” (Jornal do Brasil, 26/08/2007, B2). Nossas novelas e canais de TV em geral são um prato cheio para alimentar o sexo livre.

Alguns governos estão modificando o seu Código Penal para deixar impune a prática de relações consentidas com menores acima de 14 anos. O presidente da França anda defendendo a castração química de pedófilos para reforçar a punição de pessoas que cometeram crimes de natureza sexual e para impedir novos delitos. Para tornar compreensível e natural a prática homossexual, certo cientista italiano, ex-ministro da saúde de seu país, está defendendo a teoria de que a humanidade deve caminhar para o bissexualismo “como resultado da evolução natural das espécies” (Jornal do Brasil, 21/08/07, A24).

Autores recentes estão afirmando que a poligamia é normal e a monogamia é anormal. Tendo em vista o capítulo da teologia que estuda a chamada queda do homem, fato que a ciência desconhece ou não leva em conta, não é de se estranhar que 80% das 1.100 sociedades pesquisadas pelo Ethnografic Atlasentendem que a monogamia seja um mito e a poligamia seja um fato real tido como ideal (Isto é, 29/08/07, p. 54). Não é a sociedade nem a ciência que têm a última palavra em questões de comportamento. Isso é muito perigoso. O padrão de conduta é da competência do Criador e está claramente exposta no Decálogo (Êx 20).

A chamada revolução sexual é recente. Teria começado nos anos 60 ou um pouco antes, com a publicação dos dois relatórios do biólogo americano Alfred Kinsey, o primeiro em 1948 (O Comportamento Sexual do Homem) e o segundo em 1953 (O Comportamento Sexual da Mulher). Daí surgiu a chamada permissive society, que continua em pleno vigor, expandindo-se cada vez mais. 

A paixão pelo dinheiro parece irreversível 
Três pesquisas realizadas recentemente entre jovens americanos mostram que o maior objetivo na vida da maioria deles é “ficar rico” (Folha de São Paulo, 19/08/07, p. 8). A persistente idéia de que o dinheiro gera sensação de segurança e bem-estar invade todas as mentes, mesmo depois de todos os estudos em contrário, elaborados por especialistas no assunto. Um deles é o conhecido economista brasileiro Eduardo Gianetti da Fonseca, autor do livro Felicidade: “A máxima de que dinheiro traz felicidade é falsa”. Gianetti cita uma pesquisa feita com ganhadores de prêmios acima de 500 mil dólares nos Estados Unidos, segundo a qual, “passado o nível de euforia, a sensação de bem-estar volta ao seu estado normal, e depois até cai” (Jornal do Brasil, 31/12/06, E2).

Outro estudo, feito pela rede MTV quase na mesma ocasião, mostra que os jovens de países em desenvolvimento são mais felizes do que os de países ricos. A pesquisa reuniu 5.400 jovens de 14 países. Apenas 43% das pessoas entre 16 e 34 anos disseram ser felizes. A taxa seria muito mais baixa se a entrevista tivesse sido feita exclusivamente com países ricos: apenas 8% dos jovens nipônicos e 30% dos americanos declaram ser felizes.

No início de 2007, o empresário brasileiro Benjamin Steinbruch, diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, depois de lembrar que a renda per capita mundial cresce em média 3,4% ao ano desde 2000, fez uma solene pergunta: “Apesar disso, seria possível dizer que as pessoas estão mais felizes no mundo?”. Ele mesmo responde: “É difícil responder sim. Basta olhar para a insegurança mundial, os conflitos bélicos e os focos de pobreza extrema, fome e miséria” (Folha de São Paulo, 02/01/07, B2).

Geração após geração, todas desprezam as experiências e os conselhos de Salomão, em cerca de 950 a.C.: “Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente; quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito com os seus rendimentos” (Ec 5.10). “Tudo é ilusão, tudo é como correr atrás do vento” (ou “vão e frustrante”, como traduz a Bíblia Hebraica), na opinião do sábio (Ec 2.26, NTLH). O grande e eterno problema é que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm 6.10). 

O narcotráfico parece irreversível 
O fabrico, o tráfico e o consumo de drogas que geram dependência química continuam a desafiar qualquer providência governamental de âmbito nacional ou internacional. É uma porta aberta para uma série quase sem fim de crimes: furtos, roubos, assaltos, seqüestros, corrupção e assassinatos. Os confrontos quase diários entre a polícia e os narcotraficantes deixam uma enorme quantidade de mortos de ambos os lados. Na repressão ao narcotráfico, aviões são abatidos como se fosse tempo de guerra. O tráfico controla favelas inteiras no Brasil e algumas regiões da Colômbia. Na guerra urbana, muitos inocentes — homens, mulheres e crianças — são vítimas de alguma bala perdida. As penitenciárias estão superlotadas de traficantes, alguns dos quais continuam a comandar de lá mesmo as suas gangues. Além de matarem a sangue frio algum possível delator ou informante, os próprios traficantes matam uns aos outros para garantir o território de cada um. Para manter o vício, os usuários de drogas se entregam à prostituição e são capazes de roubar ou assassinar os próprios pais.

É impossível calcular a quantidade de dinheiro lavado e a fortuna pessoal dos mais bem-sucedidos traficantes. Na residência de um deles, o colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, de 44 anos, em Barueri, SP, a Polícia Federal apreendeu em agosto de 2007, 554 mil dólares, 250 mil euros e 55 mil reais, no valor total de quase 1,8 milhão de reais. O traficante está entre os dez mais ricos do Brasil. Estima-se que ele tenha uma fortuna de 3,6 bilhões de reais, logo depois de Abílio Diniz, do Grupo Pão de Acúcar, e de Júlio Bozano, do Banco Bozano Simonsen, ambos com 3,8 bilhões. Abadia é acusado de ter ordenado o assassinato de 315 pessoas na Colômbia e nos Estados Unidos (mais de sete mortes para cada ano da sua vida).

Com tanto dinheiro, o narcotráfico consegue corromper muita gente. O próprio Abadia confessa ter dado 800 mil dólares à Polícia para evitar que três pessoas do seu grupo fossem presas. Outro colombiano, diz a reportagem da Folha de São Paulo, estabeleceu-se no Brasil em 1994 e nunca foi importunado oficialmente pela polícia nesses 13 anos, graças às propinas pagas. Gustavo Bautista tinha meia dúzia de empresas que exportavam frutas para a Europa e tinha cerca de 2 mil empregados. Junto com as frutas ele enviava cocaína para a Holanda. A volúpia do dinheiro e o medo de ser morto por saber demais, dificulta ou mesmo impede que alguém abandone o narcotráfico. E o negócio floresce cada vez mais. Os Estados Unidos garantem que só o cartel Norte del Valle teria exportado mais de 500 toneladas de cocaína, no valor acima de 10 bilhões de dólares, da Colômbia para o México e posteriormente para o território americano.

Não há evidências de que essa estranha e monstruosa página da história vai virar. 

A guerra nuclear parece irreversível 
O físico brasileiro Marcelo Gleiser, professor no Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos, e autor de A Harmonia do Mundo, lembra que “a tradição guerreira, que faz parte da história da humanidade, começou com pedras e hoje chegou às bombas de hidrogênio. Ela teve início em disputas de pequenos pedaços de terra e hoje envolve o mundo inteiro. E não mudou”. Gleiser não vê esperança no desarmamento e indaga: “Como as potências nucleares, agarradas às suas bombas cada vez mais sofisticadas, esperam que países como a Coréia do Norte, a Índia, o Paquistão e, mais recentemente, o Irã, abandonem seus sonhos de poder nuclear?” O físico garante que “existe algo de muito patológico numa espécie que se diz inteligente, mas que só é capaz de garantir sua sobrevivência pelo acúmulo de armas de destruição em massa”.

A última observação de Gleiser é também contundente: “Vivemos todos com uma corda apertada no pescoço que fingimos não ver” (Folha de São Paulo, “Mais.”, 26/08/07, p. 9). O sociólogo Frédéric Gros acrescenta que “a introdução da bomba nuclear tornou, há mais de cinqüenta anos, improvável um conflito clássico entre as grandes potências”. Hoje “nós entramos na idade dos estados de violência” e precisamos de quem “invente novas esperanças” (Jornal do Brasil, “Idéias & Livros”, de 18/08/07, p. 3). 

A descristianização do Ocidente parece irreversível 
Um século depois da “invasão” do cristianismo no Oriente, começou a “invasão” do hinduísmo no Ocidente. É curioso observar que o primeiro missionário protestante das missões modernas, o inglês William Carey, chegou à Índia em 1793, aos 32 anos de idade. E o professor hindu Swami Vivekananda chegou aos Estados Unidos exatamente cem anos depois, em 1893, e também aos 32 anos. Aquele pregava o perdão de pecados mediante o sacrifício vicário de Jesus Cristo e este pregava o contrário: todo mal cometido será reparado por meio de expiações pessoais nesta e em novas e difíceis reencarnações. Desde então, o Ocidente passou a ser “campo missionário” dos outrora chamados “gentios” (os não-judeus) e “pagãos” (os não-cristãos).

O nome mais amplo e mais apropriado para indicar hoje os adeptos de várias religiões e movimentos da linha esotérica é Nova Era (New Age), que já não designa uma seita, mas uma constelação delas, como salienta Hélio Damante.

Além desse guarda-chuva quase do tamanho da camada de ozônio, sob o qual se abrigam velhas e novas religiões, inclusive, a Seicho-No-Ie, a Igreja Messiânica Mundial, a brasileira Legião da Boa Vontade, o Hare Krishma e outros, o islamismo tem presença atuante no Ocidente.

Apesar da “reenvagelização” (no vocabulário protestante) e da “nova evangelização” (no vocabulário católico), tanto a Europa como a América, e também parte da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), são continentes cada vez mais pós-cristãos. Todavia o problema não é apenas a presença, a propaganda e o proselitismo das religiões asiáticas. Existe também a pregação aberta da secularização teórica (através da imprensa falada, escrita e televisiva, de peças de teatro, música etc.) e prática (através da corrida ao dinheiro e do consumismo) e da pregação também aberta do ateísmo (através de livros que colocam em dúvida os alicerces do cristianismo, como o nascimento virginal e a ressurreição de Jesus e até a existência de Deus).

Acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras o livro Deus, Um Delírio, do biólogo britânico Richard Dawkins. A propaganda de meia página publicada na Folha de São Paulo diz que o livro estava na 32ª semana dos mais vendidos nos Estados Unidos e cita a recomendação da revista Veja: “Deus, Um Delírio é tudo o que o título provocador promete: um destaque ao fanatismo e à irracionalidade que, segundo o autor, estão na base da crença em um ser divino”.

Certo jornal de Chicago conta que nos Estados Unidos já há acampamentos de veraneio para crianças atéias. Faz parte do programa um passeio de avião, durante o qual, após ter alcançado uma boa altura, o piloto explica às crianças: “Pelo menos até aqui não há nenhuma evidência de um Deus no céu”. Há menos de cinqüenta anos esse tipo de propaganda do ateísmo era feita na antiga União Soviética sob os protestos dos americanos (um professor comunista derramou um pó de cor avermelhada num copo cheio de água para mostrar aos seus alunos que Jesus não fez nenhum milagre ao transformar água em vinho). (Outra coisa que parece irreversível é a degradação do meio ambiente, que foi matéria de capa da edição de março/abril de 2006 de Ultimato).

Aumento das despesas militares nos últimos dez anos por região e no mundo (em bilhões de dólares)
 REGIÃO
 1997
 2006
 % do aumento
 África
 10,3
15,5 
51% 
 América
 375
575 
53% 
 Ásia e Oceania
 131
 185
 41%
 Europa
 283
 310
 10%
 Oriente Médio
 46,1
 72,5
 57%
 Mundo
 844
 1.158
 37%

Os cinco países com maiores gastos militares em 2006
 País
 Gastos (em bilhões de dólares)
Gasto per capita (em dólares) 
 EUA
 528,7
1.756 
 Reino Unido
 59,2
990 
 França
 53,1
 875
 China
 49,5
 37
 Japão
 43,7
 341

 

O mistério da iniqüidade -- um processo histórico
“A verdade é que o mistério da iniqüidade já está em ação” (2Ts 2.7) 

Não era novidade na época de Paulo. Não deve ser novidade em nosso tempo. Mas alguns custam a enxergar ou a entender “o mistério da iniqüidade” a que Paulo se refere. E quando o descobrem, pensam que a questão é atual e não um processo histórico. Daí a tentação de dizer que os dias de hoje nunca foram tão difíceis e nunca houve tanta apostasia, tanto pecado, tanta maldade. À igreja dos tessalonicenses, o apóstolo dá a seguinte explicação: “A verdade é que o mistério da iniqüidade já está em ação” (2Ts 2.7).

Para entender sem dificuldade o que é o mistério da iniqüidade ou o mistério da impiedade, também chamado de “a força oculta da iniqüidade” (Bíblia do Peregrino) e de “a Misteriosa Maldade” (NTLH), é preciso contrastar esse mistério com outro, o “mistério do evangelho” (Ef 6.19).

Ambas as expressões são da lavra do apóstolo Paulo. O mistério do evangelho diz respeito ao plano de Deus de “unir, no tempo certo, debaixo da autoridade de Cristo, tudo o que existe no céu e na terra” (Ef 1.10, NTLH). Já o mistério da iniqüidade diz respeito ao plano diabólico de não fazer convergir em Cristo toda a longa e sofrida história humana. Chamam-se mistérios ou segredos porque ambos são gerados e geridos à margem da sociedade e à margem da história, de forma não plenamente visíveis.

O mistério do evangelho e o mistério da iniqüidade são opostos entre si e estão permanentemente em conflito aberto. Pois um deles se baseia na verdade e o outro, na mentira. Enquanto Jesus é a encarnação da verdade — “a graça e a verdade vieram por intermédio de Cristo” (Jo 1.17) —, o diabo é a encarnação da mentira — “Quando [ele] mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Os dois mistérios usam o advérbio “certamente” em seus discursos. Deus afirma de maneira categórica: “Não coma a fruta dessa árvore [a árvore do conhecimento do bem e do mal]; pois, no dia em que você a comer, certamente morrerá” (Gn 2.17, NTLH). E a “a antiga serpente, que é o diabo” (Ap 20.2), afirma categoricamente o contrário: “Certamente 
[você e seu marido] não morrerão” (Gn 3.4).

A declaração de guerra entre o mistério do evangelho e o mistério da iniqüidade aconteceu logo após a queda: “Porei inimizade entre ti [a serpente] e a mulher, e entre a tua descendência e sua descendência; ele [a semente da mulher] te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15, BH).

Só o mistério do evangelho pode nos libertar do mistério da iniqüidade (Jo 8.32). A graça irresistível de Deus pode nos resgatar do poder aparentemente irresistível das trevas e nos transportar para o Reino do seu Filho amado (Cl 1.13). 

A noção do mistério da iniqüidade tem de penetrar em nosso cotidiano, exatamente porque é uma presença constante e clandestina, que lida com forças ocultas, com sinais e prodígios de mentira e com falsos mestres, falsos apóstolos e falsos cristos (Mt 24.1-35; 2Ts 2.9; Ap 13.1-18). 

É preciso ter sempre em mente aquela explicação dada por Jesus na Parábola do Joio: depois da semeadura da boa semente, “enquanto todos dormiam, veio o inimigo e semeou o joio no meio do trigo ese foi” (Mt 13.25). Nesse e em muitos outros discursos, Jesus se refere aos bastidores da iniqüidade — o lado encoberto da maldade. O mistério da iniqüidade serve-se de homens e mulheres que são como “belos túmulos — cheios de ossos de pessoas mortas, de podridão e sujeira” (Mt 23.27, BV).

FONTE REV.ULTIMATO 


 

MISTERIO DA INIQUIDADE


                          O mistério da iniqüidade


Está chegando o Natal. Não sei explicar por que essa época me deixa nostálgico. Um sentimento ao mesmo tempo doce e dolorido. Parecido com a saudade, que dói porque é lembrança boa. Mas dói. Porque já não é.

Parece que faz tanto tempo que ele veio! Um menino destinado a virar o mundo de cabeça para baixo. Um homem obstinadamente decidido a morrer. Mas não uma morte qualquer. Nem mesmo martírio. Ele só se entregaria aos seus algozes para consumar o que dele diziam as Escrituras. E assim foi. Sua figura, naquela cruz infame, avultou e agigantou-se como a conjugação, inconcebível, da justiça com a misericórdia de Deus. Nele se realizava o que até então fora somente esperança. E pelas suas pisaduras fomos sarados.

Parece que faz tanto tempo que cremos nele. Como se a magia do Natal tivesse cedido seu brilho para osshoppings reluzentes, para a compra dos presentes, para a preparação das festas, dos cultos; para o ensaio do coral, da encenação a ser apresentada no dia 24 de dezembro. Como se “o verdadeiro sentido do Natal” tivesse ficado nos melosos filmes da Disney a que assistimos tantas vezes na televisão, nessa época. Com direito a trenó, renas e duendes. Como se o Natal fosse coisa da nossa infância.

Eu acho o Natal um tempo bom. Nostálgico. Tempo de introspecção, também. Parece que já não conseguimos nos relacionar tão afetiva e pessoalmente com aquele Jesus com quem tivemos um encontro íntimo, pessoal, profundo, transformador, insofismável, inesquecível. Aquele que recebemos exultantes em nosso coração e que se transformou em nascente de rio, em fonte de energia, em razão de viver, em segurança emocional, em ministério pessoal etc., a contaminar tudo e todos à nossa volta. Aquele que nos levou para o exílio e nos fez estrangeiros em nossa própria terra, mas que nos trouxe para perto, para sua família.

O que terá acontecido? Por que esse sentimento de solidão nostálgica? Por que me sinto como o último ingênuo, que ainda não percebeu que “Papai Noel não existe”?

Será que, por pena, ninguém me contou que crescemos como civilização e que essas coisas pueris já não cabem em nossa madura cultura tecnológica? Que a pós-modernidade é também pós-cristã? Que o Natal não deve ligar-se ao Jesus bíblico, para não discriminar os (consumidores) que não crêem nele? Que, por isso, devemos usar a expressão Christmas Seasons (festas de fim de ano, entre nós), politicamente mais correta?

Ou será que estou sentindo uma presença nova no mundo, prestes a ser manifestada? Um novo avatar que encerrará a era de Peixes para inaugurar a regência de Aquário? Um usurpador, decidido a transformar em saudosas lembranças nossas mais sólidas convicções? Estaria pressentindo o “homem da iniqüidade” já entre nós? Aquele que “se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus” (2Ts 2.3-4)? Tenha Deus misericórdia de nós. Em especial, de nossos filhos e netos. Que a eles seja dada a unção necessária para enfrentar a besta e sustentar o testemunho de Jesus.

 

 

                                               A resposta cristã ao "mistério da iniqüidade"


A revista Época trouxe uma pequena entrevista com o americano Alvin Toffler, considerado uma espécie de profeta da modernidade. Seus livros O Choque do Futuro e A Terceira Onda, anteciparam as grandes mudanças do final do século 20. Nessa entrevista sobre seu novo livro, a Riqueza Revolucionária, ele fala da importância de se investir em infra-estrutura e considera o investimento em educação prioritário. 

Bem, todos sabemos do valor fundamental da educação apesar da falta de vontade política e das verbas precárias do governo; mas sabemos também que investir em educação hoje não é o mesmo que investir na formação da pessoa ou na construção de um caráter. Grande parte dos escândalos que temos presenciado tem como protagonistas gente instruída, com passagem pelas melhores escolas e universidades. O que leva juízes, políticos e empresários com bons salários e boa formação acadêmica a cometer atos de corrupção? O que leva jovens de classe média ao consumo de drogas e álcool e a atos de violência e vandalismo? Por que ainda existe tanta violência doméstica e abuso sexual nas classes mais altas? Neste contexto o problema certamente não está na falta de escolas ou da educação como instrução acadêmica, mas na ausência de uma formação integral do ser humano. 

Ao falar sobre o “mistério da iniqüidade”, Paulo descreve a apostasia como uma rebelião “a tudo que se chama Deus, ou objeto de culto” (2Ts 2.4). Um investimento em educação ou mesmo em infra-estrutura não será suficiente para conter o avanço do “mistério da iniqüidade”. O que está por trás das graves crises que a humanidade vem sofrendo não é fruto apenas da falta de escolas ou de investimentos em infra-estrutura, mas de um processo de exclusão de Deus e de sua verdade, bem como da irrelevância e do silêncio da igreja diante dos grandes temas que envolvem o ser humano. 

Em suas Confissões, Agostinho declara que “fizeste-nos para ti, ó Deus, e nossa alma não encontrará repouso enquanto não descansar em ti”. Talvez um dos mistérios centrais de nossa humanidade esteja no fato de que fomos criados por Deus e para Deus, e que somente Deus, por meio da humanidade do seu Filho Jesus Cristo e da presença do seu reino, pode nos devolver o significado de sermos verdadeiramente humanos. 

A resposta dos cristãos ao mistério da iniqüidade ou da apostasia é o seu compromisso radical com o chamado de Jesus Cristo. Dietrich Bonhoeffer, pouco antes de sua morte em 1945 num campo de concentração, prevendo os rumos da igreja na Europa, escreveu a um amigo: “Durante estes anos, a igreja vem lutando pela sua autopreservação, como se isto fosse um fim em si mesmo e, conseqüentemente perdeu a oportunidade de pronunciar uma palavra de reconciliação para a humanidade e para o mundo como um todo. Por isso, nossa linguagem tradicional se tornará inevitavelmente impotente e condenada ao silêncio; o cristianismo ficará confinado às orações e à prática de boas obras em relação a nossos irmãos e irmãs. O pensamento cristão, sua palavra e sua organização, precisam renascer a partir dessa oração e dessas obras… Será uma nova linguagem… a linguagem de uma nova justiça e verdade que proclama a paz de Deus com os homens e a chegada do seu reino”. 

O reconhecimento de que o ser humano, por mais que negue e rejeite o evangelho de Cristo, depende dele para sua redenção e o resgate de sua dignidade, deve nos levar a priorizar sua proclamação como afirmação da verdade e nos conscientizar de que a educação requer, em última instância, um encontro com Deus. 

O mistério da iniqüidade é hoje a reação da mentalidade secularizada, que se opõe a Deus e a tudo o que se refere a Deus, numa clara rebelião aos propósitos do Criador, levando as pessoas a dar mais crédito à mentira do que à verdade. O chamado de Cristo nos leva a acolher a verdade em amor e a proclamá-la com clareza e firmeza. A recomendação de Paulo aos cristãos diante da apostasia é para que permaneçam firmes na fé e na salvação em Cristo, guardando as tradições que foram ensinadas pelos apóstolos, certos de que Deus, em seu eterno amor, nos consola e nos confirma em toda boa obra e palavra. 

FONTE REV.ULTIMATO


HISTORIA DE ISRAEL SIONISMO E APOLOGETICA

                 

                   Qual é o futuro do Israel de Deus?



Há uma só passagem em toda a Bíblia que faz referência ao “Israel de Deus” e, dentro do seu contexto maior (Gl 6.11-16), refere-se àqueles que, pela cruz de Cristo, são novas criaturas, em outras palavras, genuinamente cristãos: “E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus” (Gl 6.16).

Há certa dúvida se a expressão “Israel de Deus” refere-se a todos os cristãos ou especificamente aos judeus cristãos. Mas não há dúvida que, sejam gentios e judeus cristãos ou apenas judeus cristãos, refere-se a pessoas cristãs. Essa, em síntese, é a perspectiva do Novo Testamento de modo geral, como veremos mais adiante. O Israel de Deus são os discípulos de Jesus entre os judeus e os não judeus. E, se essa for a perspectiva do Novo Testamento, podemos concluir que é a perspectiva “cristã”. Vejamos que não é a única perspectiva “bíblica”, pois é possível tirar outras conclusões a respeito de Israel a partir do Antigo Testamento, que ou descarta a perspectiva do Novo Testamento ou “pula” essa perspectiva para outra futura. Explico a seguir.
Logo no primeiro livro da Bíblia, Deus estabeleceu um povo separado para si e lhe fez promessas. As passagens são muitas ao longo do Antigo Testamento, mas começam em Gênesis 12.1-3:

“Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (veja também Gn 13.15,17; 17.8; 18.18; 48.3-4; Êx 32.13; Js 1.3-4; Dt 11.24-25; 34.4; 2Cr 20.7; Is 34.17; Jr 7.7; 25.5; Ez 37.25; Jl 3.20).

Nesta passagem e em outras, por mais importante que seja o aspecto geográfico da promessa (“sai da tua terra [...] e vai para a terra que te mostrarei”), esse aspecto é apenas o meio para alcançar um fim maior, um fim essencialmente “missionário” (“em ti serão benditas todas as famílias da terra”). Para abençoar todas as famílias da terra, Israel precisa se constituir em povo, e, para se constituir como povo, é necessário um local, isto é, uma terra. Esta finalidade maior de abençoar os povos ocorre na repetição dessa promessa aos patriarcas e, mais tarde, na formalização desse pacto no monte Sinai. Aqui, a peculiaridade da eleição de Israel não deve ser entendida como um fim em si, mas, novamente, um meio para alcançar um fim maior por meio do seu papel de intercessor, de alcançar “todos os povos”.

“Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19.5-6, veja a citação desta passagem em 1 Pedro 2.9).

Ou seja, as promessas de Deus para Israel1 sempre visavam, em última análise, este fim maior de ser “luz para os gentios” (Is 42.6; 49.6). E é exatamente esse alvo que é alcançado por meio de Jesus Cristo, e é essa a perspectiva consensual do Novo Testamento. O próprio Antigo Testamento prepara o leitor para essa perspectiva, especialmente no livro de Isaías, ao estreitar as promessas de Deus para Israel a um remanescente fiel (Is 7.6; 10.19-22; 11.11, 16; 17.3; 28.5; 37.4, 31-32). E é o Antigo Testamento, não o Novo, que anuncia o dia que Deus iria agir por meio de uma nova aliança, e não por meio da antiga.

“Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.31-33).

As genealogias de Jesus, o seu batismo em Mateus (1.1-16; 3.13-17) e em Lucas (3.21-38) e a afirmação inequívoca de que no ministério de Jesus o governo de Deus havia finalmente chegado (Mt 12.22-32; Mc 3.20-30; Lc 11.14-23) são alguns dos muitos exemplos da convicção dos evangelistas de que as promessas de Deus feitas na antiga aliança encontraram o seu cumprimento em Jesus (tema incansável também da Epístola aos Hebreus). Os primeiros leitores desses Evangelhos entenderam muito bem que, na escolha dos doze discípulos e na insistência da igreja de completá-los depois da apostasia de Judas, o “Israel” estava sendo reconstituído. A afirmação de Jesus de reconstruir o templo em três dias (Mt 26.61; 27.40; Mc 14.58; 15.29; Jo 2.19-20), sem referência alguma a outra reconstrução futura, tem o mesmo efeito. Jesus, o alvo final da redução de Israel por meio de um remanescente cada vez menor, reconstituiu o povo de Deus e, por meio da incumbência missionária dada aos seus discípulos, começou o processo de ampliá-lo, sendo constituído de judeus e não judeus que creem nele (Rm 1.16-17; 2Co 5.17; Ef 2.11-22). E, como o alvo do chamado de Israel no Antigo Testamento foi abençoar todas as famílias da terra, este continua sendo o alvo do povo de Deus reconstituído por Jesus até o fim: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim” (Mt 24.14, veja Mc 13.10; Lc 21.7-28).

Aliás, essa passagem já aponta para o futuro do Israel de Deus, assunto último desta reflexão. Pois fim (telos) deve ser entendido como alvo “último”, e não alguma etapa penúltima ou antepenúltima. Fim é final! É a mesma perspectiva de Paulo, que compreende esta como a época em que Jesus está “sujeitando todas as coisas debaixo dos seus pés”, isto é, ampliando o seu governo, e isto antes do “fim”, que, por sinal, também é um fim final (1Co 15.23-28), e não um prelúdio para um suposto restabelecimento de Israel como etnia e como nação.

A esta altura, várias dúvidas devem aparecer para o leitor. Por exemplo, quer dizer que Israel como nação ou etnia não será reconstituído? Não voltará à sua terra? Se for assim, como entender o ressurgimento, de fato, da nação de Israel? Há duas dimensões em relação a essas indagações: uma dimensão bíblico-cristã e uma contemporânea. Nesta reflexão estamos tratando da primeira dimensão. Entretanto, a segunda ainda persiste. Ou seja, mesmo que concluamos que as promessas de Deus para Israel no Antigo Testamento se cumprem no evangelho de Jesus Cristo para judeus e não judeus (Rm 1.16), ainda é possível afirmar que, de alguma forma, a mão de Deus estava agindo no estabelecimento do atual Estado de Israel?2 Claro que isso é possível, mas da mesma forma que Deus age em qualquer outra circunstância ao longo da história, e não como cumprimento das promessas do Antigo Testamento. Do contrário, a revelação de Deus no Novo Testamento seria desprezada. E, de todo modo, o Estado de Israel, sendo constituído ou não como consequência das promessas de Deus no Antigo Testamento, nem por isso tem carta branca para cometer injustiças, da mesma forma que Israel no Antigo Testamento nunca teve e da mesma forma que a Igreja – judeus e não judeus em Cristo – não tem. Mas o que o Novo Testamento diz a respeito do retorno dos judeus à Terra Prometida? E o que diz a respeito do futuro dos judeus?

Curiosamente, o Novo Testamento nada diz explicitamente a respeito do retorno dos judeus à Terra Prometida, até mesmo no longo discurso de Paulo sobre o “futuro” de Israel (Romanos 9–11). Há vários motivos possíveis para esse silêncio. O primeiro e mais óbvio é que os judeus já estavam na Palestina quando o Novo Testamento foi escrito. Entretanto, essa observação leva a duas deduções. Por um lado, pode-se concluir que dificilmente é possível falar sobre um retorno se não houver primeiro um êxodo. Por outro lado, pode-se concluir que, os judeus já estando na Palestina, o pressuposto do Novo Testamento é que as promessas de retorno do Antigo Testamento já se cumpriram. Nenhuma dessas duas deduções são conclusivas em si, pois é difícil tirar conclusões a partir do silêncio. Mas temos algumas pistas.

Por exemplo, veja como Paulo refere-se a uma das promessas a respeito da Terra Prometida:

“Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo. Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra” (Ef 6.1-3, grifo meu, cf. Êx 20.12; Dt 5.16).

A frase em Efésios “sobre (grego: epi) a terra” é genérica, ao passo que a passagem citada em Êxodo é específica: “Na (hebraico:‘al) terra que o Senhor, teu Deus, te dá”. Isto sugere que a promessa de uma terra específica (Palestina) já fora reinterpretada para se referir genericamente ao mundo inteiro ou a toda a terra, como no caso das múltiplas referências à incumbência missionária (Mt 28.18-20; Mc 16.15-18; Lc 24.48-49; Jo 20.21; At 1.8; Rm 10.17-18). Unindo essa observação àquela acerca do cumprimento em Jesus e nos seus “descendentes” das promessas feitas por Deus no Antigo Testamento, o silêncio do Novo Testamento começa a fazer mais sentido.

Falta uma passagem importante a se considerar: “E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados” (Rm 11.26-27, cf. Is 59.20-21; Jr 31.33-34).

Por “Israel” não se entende os judeus? E não diz que “será salvo”? Sim às duas perguntas, mas com as devidas observações. Primeiro, apesar de os reformadores entenderem que “todo o Israel” refere-se à igreja como um “novo Israel” (uma frase que nenhum autor do Novo Testamento usa), hoje os estudiosos concordam que a leitura de Romanos 11 praticamente exige que a referência aos gentios seja a de gentios mesmo, e a referência a Israel seja a de judeus. Portanto, sim, “Israel” aqui refere-se a judeus, porém, só podem ser judeus que estão em Cristo. A leitura de Romanos 9 e 10.4 exigem essa observação.

O uso dos verbos será e virá é de fato uma referência ao futuro? Claro que sim. Mas se trata do futuro de quem? De Paulo ou de Isaías e Jeremias, que ele está citando? Pode parecer que seja do futuro de Paulo (e, por isso, o nosso futuro). Entretanto, o próprio Paulo costuma citar profecias do Antigo Testamento formuladas no tempo futuro para se referir ao presente. Aliás, ele fez isso diversas vezes no final dos três últimos versículos do capítulo anterior (Rm 10.19-21; veja também Rm 9.25-33). Isto deve ser o suficiente para indicar que Paulo está citando uma profecia formulada no tempo futuro para se referir ao seu presente e à salvação, por meio de Jesus, de muitos judeus. Mas, para fechar essa questão, Paulo ainda cita Jeremias 31.33-34, que só pode ser uma referência à época inaugurada por Cristo.

Logo, qual é o “futuro” de Israel? É um futuro muito mais belo e promissor que as interpretações sobre a restauração da Lei e do Templo (veja Rm 10.4). O seu futuro é o mesmo futuro de todos aqueles que são discípulos de Jesus. É a transformação em novas criaturas. E é a possibilidade de cumprir finalmente a razão do seu chamado: abençoar todas as famílias da terra por meio de Jesus (Ef 1.3-14).

Incrível? Pode parecer, mas comecei a entender isso melhor, na prática, quando, no final dos anos 80, eu era assistente do professor Arthur Glasser, no Seminário Fuller, nos Estados Unidos, que havia iniciado um programa de mestrado em teologia para judeus cristãos – ou, como preferem ser chamados, judeus messiânicos. Eram pessoas muito capacitadas e dedicadas, e, como assistente do professor, eu tive a tarefa de ler os seus ensaios e lhes atribuir notas de avaliação. Durante dois anos tive o privilégio de aprender com suas pesquisas, que revelavam muitos movimentos de conversão a Jesus por judeus durante toda a história da igreja. Comecei a perceber o quanto o apóstolo Paulo tinha razão a respeito do cumprimento das promessas de Deus tanto para judeus quanto para não judeus por meio da transformação deles em discípulos de Jesus, o Messias, e do cumprimento das promessas de Deus de abençoar os descendentes de Abraão, inclusive abençoando todas as famílias da terra. Seria trágico da parte da igreja privar os judeus que não conhecem Jesus desta bênção, em nome de uma teologia que efetivamente negue este cumprimento.

Notas
1. Há 68 ocorrências da palavra grega “israēl” no Novo Testamento, sendo doze em Mateus, duas em Marcos, doze em Lucas, quatro em João, quinze em Atos, dezessete nas cartas de Paulo (onze somente em Romanos 9-11, duas em 2 Coríntios e uma em cada uma das seguintes cartas: 1 Coríntios, Gálatas, Efésios, e Filipenses), três em Hebreus e três em Apocalipse.

2. Vale ressaltar que 43% dos judeus do mundo vivem em Israel (40% vive nos Estados Unidos), e que o israelense é tanto judeu (75%) quanto árabe (21%) e outros (4%). Os árabes e os grupos étnicos ou são de religião muçulmana ou cristã.
 

Que tristeza! Deus enviou o próprio filho a seu povo e este não o acolheu!
João, o apóstolo amado, não escondeu nem complicou. Logo no prólogo de seu Evangelho, depois de afirmar que Jesus “estava com Deus e que era Deus” e que “nada de que existe foi feito sem ele”, João explica que Jesus veio para a sua própria gente e para o mundo, “mas os seus não o quiseram, não o receberam, não o acolheram” (Jo 1.11).

Essa é uma maneira muito curiosa de começar a biografia de alguém que veio mudar a história humana. A glória da expiação consumada na cruz e a glória da ressurreição consumada no túmulo vazio são narradas nos três últimos capítulos do quarto Evangelho. A não aceitação do Messias pelo povo de Israel, pois, não equivale a um fracasso!

Os seus não o [Jesus] receberam naqueles dias nem mudaram de ideia a respeito dele até hoje, salvo raras exceções. Embora a porta não fosse fechada para os judeus, em pouco tempo, os não judeus, bem mais distantes em matéria de experiência religiosa e de costumes, foram aceitando o evangelho mais depressa e em maior número do que o povo eleito.

Os sinais operados por Jesus não foram suficientes para mover o povo até ele. É verdade que os judeus deveriam tomar cuidado tanto com os falsos profetas quanto com os falsos cristos. O próprio Jesus os advertiu quanto a esse risco. Mas o Senhor era o autêntico Messias, pelo que fazia e pelo que falava. Além disso, mesmo sem a presença física de Jesus, o cristianismo cresceu e continua a crescer, passados mais de dois milênios, diferentemente da total evasão dos entusiasmados seguidores de Teudas e Judas, o Galileu, citados por Gamaliel na reunião do Sinédrio (At 5.33-39).

O povo de Israel de ontem e de hoje ainda está à espera do Messias prometido pelos profetas. Mas a visão que eles têm do Messias é muito diferente. Como diz o judeu polonês Hugo Schlesinger, “A tradição judaica encara o Messias não como ser divino, mas apenas humano, um grande chefe, reformador social, que ensejará uma era de perfeita paz”. Entretanto, mais recentemente – continua Schlesinger, autor do “Pequeno Vocabulário do Judaísmo” (Paulinas, 1987) –, o Messias vem sendo interpretado “não como ente individual, mas como sendo globalmente a própria humanidade numa fase futura de sua evolução, quando ela tiver alcançado um nível de perfeição”. A esperança cristã de um novo céu e uma nova terra, porém, está depositada não na evolução social e ética da sociedade, mas naquilo que Jesus já fez em sua primeira vinda e no que fará em sua segunda vinda.

O Israel de Deus tem rejeitado o Jesus da Bíblia e dos cristãos, como se pode ler no livro “Os Porquês do Judaísmo”, escrito em 1983 pelo rabino Henry Sobel:

“Acreditamos que Jesus foi um grande homem, um grande mestre que pregou os ideais universais da fé judaica, um ser humano dotado de grande sensibilidade e percepção. Não aceitamos alguns dos seus ensinamentos, aqueles que são incompatíveis com os preceitos do judaísmo.”

“Apenas alguns exemplos: Jesus acreditava ter o poder de perdoar pecados, enquanto o perdão, sob a perspectiva judaica, pertence somente a Deus. Jesus alegava ter o poder de ressuscitar mortos, ao passo que os profetas hebreus, quando operavam um milagre, frisavam que o faziam como meros instrumentos de Deus.”

“O judaísmo não reconhece um ‘Filho de Deus’ que se destaca e se eleva acima dos outros seres humanos. A convicção judaica é de que todos os homens são iguais perante a divindade.”

O Israel de Deus tem sido muito injusto e ingrato com Deus. “Porque Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único para que todo aquele que crer nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Para ele, Jesus não é o Filho (com “F” maiúsculo) de Deus, não foi enviado por Deus, nem é o instrumento de salvação e de vida eterna. Os judeus não acreditam na concepção sobrenatural de Jesus (ele poderia ser fruto de um romance de Maria com um soldado romano), nas ressurreições e outros milagres realizados por Jesus, na morte expiatória de Jesus, na ressurreição de Jesus, na ascensão de Jesus, na volta gloriosa de Jesus e tudo mais. Na teologia judaica, a cristologia desmorona por completo, de alto a baixo.

O que conforta os cristãos é esta passagem do Apocalipse:
“Olhem! Ele vem com as nuvens! Todos o verão, até mesmo os que o atravessaram com a lança. Todos os povos do mundo chorarão por causa dele. Certamente será assim. Amém!” (1.7).

  

Que beleza! O plano de Deus para o mundo por meio do povo de Israel não foi um fracasso!

A implantação do monoteísmo
Antes da chamada de Abrão, praticamente todas as nações eram politeístas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, o povo de Deus (tanto os judeus como os cristãos) era cercado de um grande número de deuses pagãos. Na cidade de Atenas, por exemplo, havia imagens de deuses em cada esquina (At 17.22). Era uma calamidade. Cada país tinha os próprios deuses.

Numa lista em ordem alfabética bastante incompleta estariam os nomes de Adrameleque, Baal, Bel, Dagom, Dióscuros, Hórus, Júpiter, Mercúrio, Merodaque, Moloque, Nebo, Nergal, Nisroque, Osíris, Quemós, Rimom, Tamuz e Tartaque. Havia também deusas, como Anate, Aserá, Astarote, Diana, Hator, Ísis, Nut e Sucote-Benote. Quase todos são citados na Bíblia. A representação desses deuses era muito estranha. Rá, o deus do sol, a divindade suprema dos antigos egípcios, era representado como homem com cabeça de falcão, coroado com um disco solar e a figura de uma víbora. A deusa Hator tinha cabeça de vaca e corpo de mulher. E assim por diante.

Enquanto Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança (Gn 1.26), o ser humano criou deuses à sua imagem decaída. Eles são tão ou mais corruptos que a criatura humana. Os deuses têm inveja, são odiosos, roubam, adulteram e assassinam. Nesso, por exemplo, tentou violentar Dejanira, esposa de Hércules, o herói por excelência da mitologia grega, quando a levava de barco para a outra margem do rio (o marido ia a nado). Ao ouvir o pedido de socorro, Hércules feriu mortalmente a Nesso com uma flecha. Este, por sua vez, antes de morrer, teve tempo para providenciar a morte do seu desafeto. Tempos antes, Hércules havia sido levado por sua mãe a pôr fogo na casa dele, matando a mulher e os filhos. O deus Hermes era o protetor dos ladrões e teve numerosos casos amorosos, deixando uma multidão de filhos. O helenista Mário da Gama Kury, em seu “Dicionário de Mitologia”, dedica um verbete para aproximadamente 3 mil deuses, incluindo apenas os das civilizações grega e romana. Hoje, por influência do exemplo do Israel de Deus e pelo trabalho missionário cristão, o politeísmo não é predominante. As três religiões monoteístas mais expressivas do mundo (o cristianismo, o islamismo e o judaísmo) têm quase 4 bilhões de fiéis e representam cerca de 54% da população mundial.

A produção da Sagrada Escritura
Embora Deus nos fale por meio da beleza e da exuberância da criação e por meio daquela insistente sede interior que temos dele, o principal meio pelo qual ele se revela e se torna conhecido de nós é a Sagrada Escritura, também chamada, apropriadamente, de a Palavra de Deus. A cristandade e o mundo inteiro têm uma dívida enorme com o povo de Israel, pois foi por meio dele que a Bíblia chegou a nós. Com exceção apenas do Evangelho de Lucas e do livro de Atos dos Apóstolos, todos os demais 64 livros da Sagrada Escritura foram produzidos por patriarcas, profetas e apóstolos judeus (quanto à religião) e israelitas (quanto à nacionalidade).

Os 39 livros que formam o Antigo Testamento foram escritos em hebraico e aramaico ao longo de aproximadamente mil anos. Os 27 livros do Novo Testamento foram escritos em grego durante cerca de sessenta anos. Se o primeiro Testamento é um prelúdio para a vinda de Jesus, o segundo conta a história da chegada dele ao mundo, sua vida, seu ministério e sua igreja. Os dois Testamentos são duas fases de um ato só, ou dois volumes de uma revelação só, de uma história só, de um enredo só. Ambos testificam de Cristo (Jo 5.39).

“O ensino principal das Escrituras é aquilo que o ser humano deve crer acerca de Deus e o dever que Deus requer dele”, segundo o Catecismo Menor. A Confissão de Fé da Igreja da Inglaterra declara solenemente que “as Sagradas Escrituras contêm tudo quanto é necessário para a salvação”, de tal modo que qualquer acréscimo não é digno de fé. Outra confissão esclarece que “as Escrituras não são um testemunho entre outros, mas o testemunho sem paralelo”.

A Bíblia é o livro mais copiado à mão (antes da invenção da imprensa), mais impresso, mais traduzido (a Bíblia inteira já foi traduzida para 485 línguas; o Novo Testamento, para 1.249; e alguma porção dela, para 810), mais vendido, mais presenteado, mais revisado, mais lido e mais querido, antes de Cristo (apenas o Antigo Testamento) e depois de Cristo. Com o advento de muitas versões paralelas e de muitas Bíblias com notas de rodapé, é possível que vários crentes tenham pelo menos meia dúzia de Bíblias. Se cada cristão tiver pelo menos três exemplares da Bíblia em versões diferentes, em média haveria uma Bíblia para cada um dos 7 bilhões de habitantes do planeta!
Em sua Carta aos Romanos, Paulo, o mais famoso judeu convertido ao cristianismo e autor de treze livros do Novo Testamento, perguntou: “Haverá alguma vantagem em pertencer ao povo escolhido [o Israel de Deus]?”. Ele mesmo responde: “Tem, sim, e de muitas maneiras! E a primeira vantagem é que Deus entregou a sua mensagem aos cuidados dos judeus” (Rm 3.1-2).

O advento de Jesus
A Bíblia ensina que no princípio mais remoto, antes mesmo da fundação do mundo, lá na eternidade, Jesus já estava com Deus e era Deus. Depois, no tempo preestabelecido, Deus achou por bem enviá-lo ao mundo, nascido de uma mulher (Gl 4.4). Então, Jesus se tornou um ser humano e morou entre nós, cheio de amor e de verdade, e os seus contemporâneos viram a sua glória, a glória do Filho único do Pai celestial (Jo 1.14). Foi uma ocasião muito especial, pois Jesus se tornou a revelação visível do próprio Deus invisível. Por meio dele, Deus havia criado tudo, no céu e na terra, tanto o que se vê como o que não se vê (Cl 1.15-16).

Para se tornar humano, Jesus abriu mão de tudo o que era seu, isto é, deixou de lado os privilégios da divindade e tornou-se igual a nós, seres humanos (Fp 2.7). Na verdade, ele veio ao mundo para salvar, buscar e restaurar quem estava perdido (Lc 19.10).
A encarnação de Jesus se deu numa família judaica e israelita de Nazaré, na província da Galileia. Maria, a mãe, e José, o pai adotivo, pertenciam ao povo de Israel. Por parte de ambos, Jesus era descendente de Abraão, o pai do povo eleito, e descendente de Davi, o primeiro rei de Israel (Mt 1.1-16, Lc 3.13-38).

Jesus não apenas nasceu, mas também cresceu no judaísmo. Cumpriu todos os ritos judaicos. Foi o maior judeu de toda a história, maior do que Abraão, maior do que Jacó, maior do que Salomão, maior do que Jonas. Se o templo de Jerusalém era a maior relíquia do povo, Jesus era maior do que o templo (Mt 12.6).

Jesus não se equivocou quando disse tranquilamente à mulher samaritana: “O caminho de Deus para a salvação veio por meio dos judeus” (Jo 4.22). Essa é outra dívida do mundo para com o Israel de Deus!

 

O povo de Israel é o povo que mais conviveu com as coisas maravilhosas que Deus faz

Muitos salmos referem-se às coisas maravilhosas que Deus faz com o seu povo. Um deles é especialmente bonito: “Ando em volta do teu altar junto com os que te adoram, cantando um hino de gratidão e falando das tuas obras maravilhosas”. Em vez de “coisas maravilhosas”, o salmista poderia ter usado outras palavras, como “atos portentosos” ou “milagres”.

O que nós chamamos de milagre? Os dicionários seculares dizem que é um feito ou ocorrência extraordinária que vai de encontro às leis da natureza. Os dicionários de teologia são mais densos:

“O milagre se caracteriza por ser uma intervenção divina na vida do ser humano ou na natureza, realizando algo impossível para a ação humana” (Dicionário Brasileiro de Teologia).

“O milagre é um fato sensível, fora do curso natural das coisas, que Deus produz num contexto religioso como um sinal do sobrenatural” (Dicionário de Termos da Fé).

“Os milagres bíblicos têm um objetivo nítido: visam colocar em relevo a glória e o amor de Deus e, entre outras coisas, desviar a atenção do homem dos eventos corriqueiros da vida cotidiana, direcionando-a aos atos poderosos de Deus” (Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã).

“Pela etimologia, as palavras ‘milagre’ e ‘maravilha’ se referem ao assombro e espanto causados por um evento incomum ou inexplicável. No contexto religioso, tem sua origem atribuída a uma influência divina transcendente” (Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento).

“Milagre é a livre intervenção de Deus no interior da criação e nas pessoas para expressar a vitória sobre o mal e o chamado à participação de seu reino” (Dicionário Teológico Enciclopédico).

Desde o surgimento de Israel, com a chamada de Abrão, algum tempo depois do dilúvio e da Torre de Babel, por volta do ano 2000 antes de Cristo, o povo judeu tem convivido com as tais coisas maravilhosas realizadas por Deus.

1. O homem que Deus vocacionou para ser o pai de uma “grande nação” era casado com uma mulher teimosamente estéril. E Deus não a tornou fértil senão depois, quando ela já havia passado por uma longa menopausa e quando ele já era velho demais para se tornar pai de uma criança. Levando em conta que Abraão, depois de viúvo, casou-se outra vez e teve outros filhos (Gn 25.1), é provável que ele e Sara tenham sido rejuvenescidos pelo poder de Deus. A Bíblia diz que Abraão, “esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações” (Rm 4.18).

2. Por ocasião do êxodo do povo de Israel do Egito para a terra de Canaã, houve uma série extraordinária de milagres pelos quais Deus se revelava aos israelitas e rebaixava o orgulho do faraó Ramsés II. É notável que as famosas pragas tenham atingido apenas os egípcios e deixado intocados os descendentes de Abraão. Mais notável ainda é a abertura do mar Vermelho somente no momento em que o povo eleito passava de uma margem à outra. Mais extraordinários seriam a coluna de nuvem (durante o dia), a coluna de fogo (durante a noite) e o maná providenciados milagrosamente por Deus dia após dia durante quarenta anos! Por quase 15 mil dias Deus alimentou milhares de pessoas. O milagre do “pão dos anjos” (Sl 78.24) ou “pão do céu” (Sl 105.40) tornou-se muito mais fantástico com a afirmação de que ele caía pontualmente em porção dobrada apenas na sexta-feira, para que o povo santificasse o sábado. Em qualquer outro dia da semana, o maná estragava se fosse guardado para ser comido no dia seguinte (Êx 16.19-26).

3. No correr da história de Israel, da posse da terra prometida (1375 a.C.) até a reconstrução do templo de Jerusalém (516 a.C.), aconteceram outros milagres, principalmente durante o ministério de Elias e Eliseu. O primeiro deles é o estranho prolongamento da claridade do sol durante a batalha de Israel contra os amorreus: “O sol ficou parado no meio do céu e atrasou a sua descida por quase um dia inteiro” (Js 10.13). Outros milagres curiosos foram o fogo que “queimou o sacrifício, a lenha, as pedras, a terra e ainda secou a água que estava na valeta” (1Rs 18.38), em resposta à oração de Elias, embora tudo estivesse encharcado de água, e o machado que flutuou tendo antes caído no leito do rio Jordão (2Rs 6.6).

Para Elias matar a sede, nada havia de sobrenatural: ele descia até o riacho de Querite e bebia água à vontade. Mas, para matar a fome, o profeta se valia de algo inédito: comia pão com carne que os corvos lhe traziam todas as manhãs e todas as tardes (1Rs 17.4-6). A primeira multiplicação inexplicável de pães da história não foram as multiplicações de pães e peixes realizadas por Jesus, mas a que aconteceu mais de oitocentos anos antes, em Baal-Salisa, na época de Eliseu: vinte pães foram suficientes para alimentar cem profetas e ainda houve sobra (2Rs 4.42-44). Esses dois profetas notáveis ressuscitaram duas crianças sem vida: Elias arrancou da morte o filho de uma viúva pobre, a viúva de Sarepta (1Rs 17.19-24), e Eliseu arrancou da morte o filho de uma viúva rica, a viúva de Suném (2Rs 4.32-37).

Além desses milagres, é preciso mencionar ainda o arrebatamento sobrenatural de Elias (2Rs 2.11), a cura instantânea de Naamã, o comandante do exército sírio (2Rs 5.14), a sobrevivência de três exilados judeus lançados na fornalha de fogo ardente (Dn 3.28) e o aparecimento da mão que escreveu a sentença de Belsazar na parede branca de seu palácio (Dn 5.5).

4. Com Jesus Cristo, os milagres deixam de ser eventos raros para ser uma normalidade. Embora não o tenham aceito como o Messias que deveria vir, os judeus conviveram com os atos portentosos realizados por ele nos seus três últimos anos de vida, e não conseguiram contestá-los. Após a ressurreição de Lázaro, por exemplo, o Sinédrio concluiu: “O que é que nós vamos fazer? Esse homem está fazendo muitos milagres! Se deixarmos que ele continue fazendo essas coisas, todos vão crer nele” (Jo 11.47-48). Como não era possível negar a ressurreição de Lázaro e outros milagres, as autoridades resolveram acabar não com os milagres, mas com a vida daquele que os realizava. A ameaça era tão séria que Jesus “já não andava publicamente na Judeia” (Jo 11.53-54).
Uma nova fase da história estava começando e, como afirma John Stott, “o propósito principal dos milagres em toda a Escritura era autenticar cada novo estágio da revelação”.

Quais foram os “muitos milagres” feitos por Jesus? O Senhor não dava a menor importância às leis da natureza, sendo ele o parceiro de Deus na criação do mundo (Jo 1.3). Por essa razão, ele não fez esforço algum para acalmar o vento e as ondas encapeladas do mar da Galileia (Mc 4.37-39) nem para caminhar sobre a superfície líquida do mesmo mar (Mc 6.48-50). Jesus não arredou o pé do lugar onde estava para transformar mais de quinhentos litros de água potável em vinho do melhor (Jo 2.6-9). Sem espalhafato algum, o Senhor duas vezes seguidas multiplicou pães e peixes para alimentar uma multidão de 5 mil pessoas na primeira oportunidade (Mt 14.21) e uma multidão de 4 mil na segunda (Mt 15.38), sem contar mulheres e crianças. Era comida com tanta fartura que todos ficaram saciados e ainda encheram doze cestos de sobras na primeira ocasião e sete cestos na segunda.

Jesus curou todo tipo de doença – mental, espiritual, emocional ou física (Mt 4.23-25). Não eram curas psicológicas nem demoradas. Eram curas imediatas e completas. As mais fantásticas foram a da mulher continuamente hemorrágica por doze anos (Mc 5.25-34), a da mulher continuamente encurvada por dezoito anos (Lc 13.11-12) e a do homem continuamente paralítico por 38 anos (Jo 5.5-9).

Pelo menos, três mortos foram ressuscitados por Jesus: uma menina de 12 anos que tinha acabado de morrer (Mt 9.18-26), um rapaz que estava a caminho do cemitério para ser sepultado (Lc 7.11-15) e um homem que já estava sepultado e em estado de putrefação (Jo 11.38-41).

As autoridades religiosas de Jerusalém ficaram sabendo da ressurreição de Jesus no mesmo dia em que o fato aconteceu, não pela boca dos discípulos, mas pela informação dos guardas credenciados para guardar o túmulo. E, para esconder o fato, lançaram mão do suborno (Mt 28.11-15). Esse é o milagre que deu origem ao cristianismo e sacralizou o primeiro dia da semana, chamando-o de domingo – o dia do Senhor.

Mas ainda há outro prodígio relacionado com Jesus: no momento exato em que o Senhor dava o seu último grito, derramando a sua alma na morte (Is 53.12), o véu que separava a área geral de adoração (o santuário) do Santo dos Santos rasgou-se em dois pedaços, de cima até embaixo (Mt 27.51). Não foi mão leviana alguma que cortou o véu. O novo tomou o lugar do velho por iniciativa divina no momento em que o verdadeiro sacrifício pelo pecado tinha acabado de se consumar!
  
O povo de Israel é...
Um povo eleito
Quando Abraão morava em Harã, uma cidade ao norte da Mesopotâmia, Deus, em sua soberania, o elegeu para ser o pai de uma grande nação que, por sua vez, seria uma bênção para todas as nações daquela época e das épocas seguintes, no sentido religioso (Gn 12.1-3). Israel tinha consciência de que era o povo eleito, mas muitas vezes perdia a noção de que essa eleição tinha uma conotação altamente missionária. Quando o povo estava quase chegando à terra prometida, Moisés disse-lhes: “Entre todos os povos da terra ele [Deus] escolheu vocês para serem somente dele” (Dt 7.6). Muitos anos depois, na época do rei Uzias, Deus declarou à nação de Israel pela boca do profeta Isaías: “Escute, Israel, pois você é o meu servo, o povo que eu escolhi! Eu, o Senhor, sou o seu Criador e o tenho ajudado desde o dia em que você nasceu. Israel, meu servo, não fique com medo, pois eu o amei e o escolhi para ser meu” (Is 44.1-2).

Um povo obstinado
Por colecionarem mais derrotas do que vitórias, por terem caído em pecado, por terem desobedecido, por terem voltado aos ídolos pagãos, por terem abandonado a Deus inúmeras vezes – os profetas diziam que os israelitas eram um povo obstinado. Eles deram um trabalho enorme aos profetas, que, repetidas vezes, os chamavam ao arrependimento. Quando Deus vocacionou Ezequiel para o ministério de profeta, disse-lhe sem rodeio: “Homem mortal, eu o estou mandando ao povo de Israel, que se revoltou e se virou contra mim. Eles ainda são rebeldes, como os antepassados deles eram. São teimosos e não me respeitam” (Ez 2.3-4). O profeta Isaías afirma que eles eram “duros como o ferro ou o bronze” (Is 48.4).

Um povo amado
Mesmo sendo um povo extremamente teimoso, muitas vezes indócil, os israelitas sempre foram alvo do amor de Deus. A Bíblia registra algumas belas declarações de amor de Deus a Israel. Uma delas está em Jeremias: “Está chegando o tempo em que eu serei o Deus de todas as tribos de Israel, e elas serão o meu povo. No deserto, tive pena daqueles que haviam escapado da morte. Quando o povo de Israel procurava descanso, eu, vindo de longe, apareci a eles. Povo de Israel, eu sempre os amei e continuo a mostrar que o meu amor por vocês é eterno. Eu construirei de novo a nação. Mais uma vez, vocês pegarão os seus tamborins e dançarão de alegria” (Jr 31.1-4). Outra declaração, talvez ainda mais tocante, está em Oseias: “Quando Israel era criança, eu já o amava e chamei o meu filho, que estava na terra do Egito. Porém, quanto mais eu o chamava, mais ele se afastava de mim. O meu povo ofereceu sacrifícios ao deus Baal e queimou incenso em honra dos ídolos. Mas fui eu que ensinei o meu povo a andar; eu os segurei nos meus braços, porém eles não sabiam que era eu que cuidava deles. Com laços de amor e carinho, eu os trouxe para perto de mim; eu os segurei nos braços como quem pega uma criança no colo. Eu me inclinei e lhes dei de comer” (Os 11.1-4).

Um povo monoteísta
Certamente o pai da nação de Israel ainda conservava na mente e no coração a herança monoteísta das primeiras gerações adâmicas. Para ele, havia um só Deus, criador dos céus, da terra e da raça humana, como está registrado no primeiro capítulo da Escritura Sagrada (Gn 1.1-31). A evidência disso é que, quando Deus chama Abrão, diz a ele para deixar para trás apenas sua terra, seus parentes e a casa de seu pai (Gn 12.1). Não acrescentou “deixe também seus deuses”. Mas Jacó, seu neto, foi obrigado a reunir a família e ordenar: “Joguem fora todas as imagens dos deuses estrangeiros que vocês têm” (Gn 35.2).

Mais de quatrocentos anos depois, quando os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó já eram bem numerosos e estavam de saída do Egito a caminho de Canaã, na longa parada junto ao monte Sinai, Deus lhes deu o Decálogo. E o primeiro dos Dez Mandamentos é: “Não tenham outros deuses além de mim” (Êx 20.3).

Era quase impossível ter um só Deus no mundo antigo. A oferta e a variedade de deuses de ambos os sexos eram enormes. Os povos no meio dos quais Israel viveu na Mesopotâmia, na Palestina, no Egito e nos países para os quais eram de vez em quando deportados não tinham a menor noção de monoteísmo. Todos serviam a uma multidão de deuses, aos quais prestavam culto, oravam, ofereciam sacrifícios, consagravam sacerdotes e sacerdotisas e construíam templos. Eles pecavam não por ausência de fé religiosa, mas pela adoração a deuses criados pela imaginação humana, tão corruptos e mortais como eles mesmos.

A cultura religiosa de Israel era obrigada a chamar esses deuses de deuses novos, deuses alheios, deuses outros, deuses estranhos, deuses estrangeiros, deuses falsos (de mentira). Vez e outra, pessoas de fora da comunidade israelita convenciam-se da unicidade do Deus de Israel e faziam belas confissões de fé. Jetro, o sacerdote de Midiã e sogro de Moisés, por exemplo, declarou: “Agora sei que o Senhor é mais poderoso do que todos os deuses” (Êx 18.11). Muitos anos depois, Nabucodonosor, o poderoso rei da Babilônia, confessou ao profeta Daniel: “Seu Deus realmente é o Deus de todos os deuses, o Senhor de todos os reis” (Dn 2.47).

O povo de Israel era monoteísta por formação e continuava monoteísta graças à intervenção de Deus por meio de seus profetas. Em épocas de acentuado declínio de fé e conduta, o povo chegava a ter tantos deuses quantas cidades tinham (Jr 2.28). Parece que esse problema desapareceu por completo depois de muito sofrimento, muita humilhação, muita morte e muita derrota!

Um povo preservado
O povo era deportado para nações distantes, mas ele próprio ou os seus descendentes retornavam algum tempo depois. As cidades eram destruídas, mas depois reconstruídas. Na época de Xerxes, rei da Pérsia, havia judeus em todas as 127 províncias do Império Persa, que se estendiam desde a Índia até a Etiópia, e todos foram condenados à morte na mesma data (dia 13 do décimo segundo mês), por força de um decreto assinado pelo rei e levado por mensageiros aos governadores de todas as províncias.

Seria a eliminação de todo o povo, um genocídio semelhante ao holocausto da Segunda Guerra Mundial. Como não poderia anular o primeiro decreto, Xerxes assinou outro decreto, que permitia ao povo se organizar e se defender de qualquer ataque. O final da história revela que, graças à intervenção do Deus de Israel por meio da instrumentalidade sábia e corajosa de Ester e de Mordecai, seu tio, o morticínio não aconteceu. Desde então, ano após ano, os judeus comemoram a chamada Festa do Purim, que celebra essa grande libertação (Et 9.20-23).

Em 1939, quando começou a Segunda Guerra Mundial, havia 9,5 milhões de judeus na Europa. Seis anos depois, no final da guerra (1945), o número baixou para 3,5 milhões, simplesmente porque 6 milhões de judeus haviam sido exterminados pela Alemanha nazista. Apesar dessa barbárie, dois anos depois, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu ao povo judeu o direito de ter a própria nação, assegurado no dia 29 de novembro de 1947.

Graças ao rico patrimônio histórico, ao rito da circuncisão, à condenação do casamento misto, entre outras coisas, e especialmente graças à soberania de Deus – o povo de Israel é um povo preservado. Mas ainda há algo para acontecer na história do povo eleito, segundo o eterno propósito de Deus revelado tanto no Antigo como no Novo Testamento.
  
O povo de Israel não é o povo exclusivo de Deus
Deus não é só de Israel. Ele é o Deus de todas as nações, de todos os povos, de todas as raças, de todas as etnias, de todas as tribos. Deus é o Deus do universo. Ele é antes do nada e antes do tempo. Esse Deus nunca toma posse de coisa alguma nem de poder algum, porque tudo que existe começa com ele e é para ele.

Chamar Deus de “o maior de todos os deuses” ou “o Deus dos deuses” é uma injustiça, pois ele é único. Assim diz o Antigo Testamento: “O Senhor, que criou os céus, é o único Deus” (Is 45.18). Assim diz o Novo Testamento: “Ao Rei eterno, imortal e invisível, o único Deus – a ele sejam dadas a honra e a glória, para todo o sempre!” (1Tm 1.17).

Antes de Cristo, o instrumento mais usado por Deus para propagar o seu nome e os seus feitos foi o povo que ele elegeu em Abraão. Essa propaganda é feita pelos livros históricos, pelos livros poéticos, pelos livros proféticos, pelos quatro Evangelhos, pelas cartas pastorais e pelo Apocalipse (os livros da Bíblia), quase todos escritos por judeus. O nome de Deus apenas não aparece no livro de Ester, mas a sua soberania e a sua providência estão presentes também no período histórico compreendido entre 485 e 464 antes de Cristo.

Embora seja o livro de Êxodo o que mais fala sobre os atos portentosos de Deus, o que mais menciona o nome do Senhor é o livro dos Salmos. A pessoa de Deus é apresentada de forma amorosa e piedosa, e não simplesmente de maneira formal. Nos Salmos, o nome de Deus é mencionado não por cientistas da religião nem por curiosos. Ele está na boca de crentes que adoram, expressam o conhecimento do caráter, da pessoa e dos feitos de Deus e, por isso, confessam pecados, derramam a alma, choram as dores, fazem súplicas ardentes, gritam por socorro, têm comunhão e intimidade com Deus, desnudam-se diante dele, pedem perdão e até mesmo têm a liberdade para reclamar: “Ó Senhor Deus, até quando esquecerás de mim? Será para sempre? Por quanto tempo esconderás de mim o teu rosto? Até quando terei de suportar este sofrimento? Até quando o meu coração se encherá dia e noite de tristeza? Até quando os meus inimigos me vencerão?” (Sl 13.1-2).

É mais fácil conhecer a Deus devocionalmente nos Salmos do que em qualquer outro livro da Bíblia. Veja-se o grau de confiança e de intimidade com Deus no saltério apenas em alguns dos 23 primeiros salmos:

“Eu chamo o Senhor para me ajudar, e lá do seu monte santo ele me responde. Eu me deito, e durmo tranquilo, e depois acordo porque o Senhor me protege” (3.4-5).

“Ó Deus, defensor dos meu direitos, responde-me quando eu te chamar! Eu estava em dificuldade, mas tu me ajudaste” (4.1).

“Meu Rei e meu Deus, atende o meu pedido de ajuda, pois eu oro a ti, ó Senhor. De manhã ouves a minha voz; quando o sol nasce, eu faço a minha oração e espero a resposta. Por causa do teu grande amor, eu posso entrar nos pátios da tua casa e ajoelhar com todo o respeito, voltado para o teu santo Templo” (5.2-3, 7).

“Tem compaixão de mim, pois me sinto fraco. Dá-me saúde, pois o meu corpo está abatido, e a minha alma está muito aflita. Ó Deus, quando virás me curar?” (6.2-3).

“As promessas do Senhor merecem confiança; elas são como a prata pura, refinada sete vezes no fogo” (12.6).

“Ó Senhor, meu Deus, olha para mim e responde-me! Dá-me forças novamente para que eu não morra. Eu confio no teu amor. O meu coração ficará alegre, pois tu me salvarás. E, porque tens sido bom para mim, cantarei hinos a ti, ó Senhor” (13.3, 5-6).

“Tu, ó Senhor Deus, és tudo o que tenho. O meu futuro está nas tuas mãos; tu diriges a minha vida. Como são boas as bênçãos que me dás! Como são maravilhosas! Estou certo de que o Senhor está sempre comigo; ele está ao meu lado direito, e nada me pode abalar. Por isso o meu coração está feliz e alegre, e eu, um ser mortal, me sinto bem seguro, porque tu, ó Deus, me proteges do poder da morte. A tua presença me enche de alegria e me traz felicidade para sempre” (16.5-6, 8-11).

“Ó Senhor Deus, como eu te amo! Tu és a minha força. Estive cercado de perigos de morte, e ondas de destruição rolaram sobre mim. A morte me amarrou com as suas cordas, e a sepultura armou a sua armadilha para me pegar. No meu desespero, eu clamei ao Senhor e pedi que ele me ajudasse. Do seu templo no céu o Senhor ouviu a minha voz, ele escutou o meu grito de socorro” (18.1, 4-6).

“O Senhor é o meu pastor: nada me faltará. Ele me faz descansar em pastos verdes e me leva a águas tranquilas. Ainda que eu ande por um vale escuro como a morte, não terei medo de nada. Pois, tu, ó Senhor Deus, estás comigo; tu me proteges e me diriges” (23.1-2, 4).

Por causa dessa contínua e profunda abertura da alma diante de Deus da parte de Davi e de outros salmistas, o livro dos Salmos é o mais querido e o que tem mais leitores. Atanásio dizia que ele é “um resumo da Bíblia”, enquanto Lutero chamava-o de “uma minibíblia e o sumário do Antigo Testamento”. Melâncton chega a declarar que os Salmos são “a mais elegante obra existente no mundo”. O mais extenso comentário de Calvino foi o do livro dos Salmos (quatro volumes com 2.578 páginas na edição brasileira), que ele denominava de “uma anatomia de todas as partes da alma”.
Quando a experiência religiosa se associa com a teologia, a mente e o coração se encontram, a certeza e a emoção se misturam e a teoria e a vivência se unem!

FONTE REV.ULTIMATO